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Célia Cristina de Figueiredo Cassiano, mestre e doutora em educação, com

atuação em política públicas em educação, estruturas e funcionamento da educação

básica, currículo, livro didático e metodologia do ensino da língua portuguesa,

mostra como o setor do livro didático no país  chegou à configuração oligopólica atual. 

 

Editora Unesp - 340 p. 

 

 

   No fim da década de 1960, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) encomendou a Robert Escarpit – autor entre outros de A fome de ler (Ed. FGV, 1975) e A revolução do livro (Ed. FGV, 1976) –, um estudo sobre a indústria editorial em vários países. No que se referia ao Brasil, ele destacou dois pontos fortes: a) a “implantação nacional” e b) a “forte infraestrutura administrativa: o livro brasileiro é um dos únicos na América Latina que conta com o beneficio de uma política coordenada”; e três fracos: a) “a permeabilidade do mercado nacional, em especial ao livro em espanhol”, b) “a insuficiência de livrarias” e c) a “necessidade de modernização”. 

 

  Embora não mencione nem o autor, nem o estudo, é a permeabilidade do mercado ao livro em espanhol o mote para O mercado editorial do livro didático no Brasil do século XXI, a entrada do capital espanhol na educação brasileira, da professora Célia Cristina de Figueiredo Cassiano.

 

  Graduada em letras, mestre e doutora em educação, Célia Cristina faz uma minuciosa análise do setor de didáticos no país e localiza no intervalo entre 1985 e meados de 2012 o período em que se passou da concentração das editoras familiares para o oligopólio dos grandes grupos editoriais, quer nacionais, quer internacionais, com preponderância do empresariado espanhol.

 

  Para explicar essa profunda mudança, e suas consequências, dedica os primeiros quatro capítulos à reconstituição da história do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e, em seguida, mostra a reconfiguração do setor. 

 

Do controle do conteúdo dos livros escolares à sua avaliação  

 

   A relação oficial entre Estado e livro didático tem início no Estado Novo, em 1937, com a criação do Instituto Nacional do Livro (INL) e, no ano seguinte, com a instituição da Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), que dispunha sobre as condições de produção, importação e uso desse livro, na tentativa de controlar o conteúdo do material escolar.

 

  Em 1985, no país já democratizado, a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), promove alterações significativas no então existente Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (Plidef), tendo como princípios a aquisição e distribuição universal e gratuita de livros didáticos para alunos da rede pública do então 1º grau (atual 1º a 8º), para alunos de 7 a 14 anos. Entre os objetivos das novas medidas para resolver a questão educacional, herdada do governo ditatorial, estariam: a) a ausência de consciência nacional sobre a importância política social da educação; b) a baixa produtividade no ensino; c) o aviltamento da carreira do magistério; e d) a falta de recursos financeiros suficientes para a educação básica.

 

    A partir dessa data, os programas governamentais de livros vão sendo ampliados (em apenas dois anos, segundo a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), o país já é o maior distribuidor de livros didáticos do mundo, com uma média de 3 livros por aluno em cada escola pública brasileira de 1º grau), são implantadas políticas públicas de gerenciamento dos livros pedidos e recebidos pelas escolas e adotadas medidas para orientar a seleção pelos docentes, numa trajetória que transforma o Estado o responsável pela compra de 70% da produção nacional, embora pudessem ser detectados pontos de estrangulamento, como a dificuldade de fazer o livro chegar às mãos de todos os alunos. Tais dificuldades serão solucionadas em 1995 com uma distribuição planejada e a criação de uma comissão para analisar a qualidade dos conteúdos programáticos e dos aspectos pedagógico-metodológicos que viriam a ser adquiridos pelo MEC.

 

Uma acirrada disputa comercial e simbólica

 

  Tais iniciativas, no entanto, não são nem discutidas, nem adotadas sem grande tensão entre os envolvidos: pedagogos, professores da rede pública nas três esferas governamentais, editoras, entidades setoriais, como a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL), sistemas de ensino, cujo espaço, quer na rede pública, quer na particular, se amplia. Ao contrário: com a criação de programas nacionais para o Ensino de Jovens Adultos (EJA) e para o Ensino Médio (PNLEM) e a distribuição de dicionários, o debate e a disputa por participação nesse milionário setor, que em 2010 respondia por 51% de todos os livros vendidos no país, se acirram. Das 64 empresas que disputaram uma fatia do mercado nos primeiros anos do programa, apenas 12 permaneceram, havendo também incorporação de editoras menores por maiores e a entrada de novos grupos no mercado, como o Positivo.

 

   E, entre os novos players, a autora dedica a segunda parte do livro para mostrar as razões pelas quais empresas espanholas, não só no segmento editorial, mas também no de telefonia e bancário, entre outros, se tornaram presença tão marcante no Brasil. Se, por um lado, a constituição do Mercosul, em 1991, poderia ter sido a “oportunidade histórica para a editoração brasileira, que teria oportunidade de abandonar seu isolamento tradicional e abrir novos horizontes em países vizinhos” (p. 208-9), por outro, a Espanha, desde o fim da década de 1980, se dedicava a analisar e descrever o desenvolvimento de suas atividades econômicas em diversos campos da cultura, visando implementar políticas adequadas para sua melhoria. Promovido pelo Ministério da Cultura, o informe “A cultura como atividade econômica na Espanha”, será a base da política de Estado adotada daí em diante, que objetiva a expansão mundial do idioma espanhol, considerado seu maior ativo econômico.

 

   Rico em dados, a análise da professora Célia Cristina permite a compreensão do setor de didáticos no país, chamando também a atenção para aspectos cruciais ainda pouco avaliados, como o fato de o Brasil se inserir nas relações internacionais com a Europa na condição de coadjuvante, sem “a contrapartida de ser também um produtor e distribuidor de cultura” (p. 320), de a produção científica que legitima os programas nacionais adotados “ser majoritariamente de sujeitos envolvidos nas esferas governamentais” (p. 318), de a palavra do professor, cuja formação é um ponto de estrangulamento da educação nacional, ter sido silenciada, entre outros

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