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LUÍS ANTONIO TORELLI: A TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DO PRÓXIMO PRESIDENTE DA CBL


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O ano era 1990. O endereço, rua Augusta, 1122, sobreloja, sala 5, Consolação, região central de São Paulo. Logo no início do ano, dois meses antes do fatídico 16/3/1990, data da decretação do Plano Collor, a equipe da Editora Maltese tinha dois novos integrantes: Luís Antonio Torelli [à. esq., em reunião no Ministério da Cultura, em Brasilia, em 24/11/2014] e eu.


Engenheiro, Luís Torelli iniciou sua atividade profissional como estagiário na Cia. do Metropolitano de São Paulo. Em seguida, contratado por uma empresa que prestava serviços para o Ministério dos Transportes, foi gerenciar projetos de urbanização em vários municípios, como Osasco, na Grande São Paulo, experiência que o levou a ser convidado para assumir a implantação de serviços urbanos em Natal (RN). Recém-casado com a arquiteta Marcia, sua primeira esposa, enfrentou dura oposição de ambas as famílias, oposição que só aumentou quando ela descobriu que estava grávida de sua primeira filha. “Aí”, diz ele, “a casa caiu. Não dava para continuar na empresa, foi um vexame, tive de pedir demissão”, e nos três meses seguintes ficou em Natal até a companhia encontrar um substituto.


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Em busca de nova colocação, falou também com os amigos. Um deles, um editor que imprimia seus livros na gráfica de seu ex-sogro, convidou-o para se unir à sua equipe, mas, sem entender nada de livros, Torelli se candidatou a uma vaga numa outra empresa de engenharia, cuja matriz ficava em Belo Horizonte. Sabendo da viagem, o amigo Henrique Maltese lhe pediu o favor de ir até um livreiro, o Kodama, e “tirar” um pedido, pelo qual receberia a devida comissão. Com a sorte de a livraria ficar a 4 quarteriões da matriz da empresa onde tratava de sua admissão, lá foi ele, munido apenas de um catálogo. À noite, no hotel, “Liguei para o Henrique, disse que tinha tirado um pedidinho e ele me perguntou quantos livros tinha vendido. Respondi com a maior naturalidade, porque não tinha a menor noção do assunto, e ele me disse: ‘Você tá brincando?’”. Quando voltou, Henrique lhe perguntou se ele tinha noção do quanto tinha ganho, "porque o valor da comissão era maior que o futuro salário. Aí já comecei a pensar no assunto, porque era um bom negócio”. Em seguida, foi apresentado ao Angelotti, da distribuidora e editora homônima, e também obteve bons resultados. Mas foi convencido a trocar de profissão depois de uma ida a Ribeirão Preto, para falar com o livreiro Luis Brandão: “Estourei a boca do balão e ganhei um bom dinheiro”.


Nesse ínterim, seu ex-sogro descobriu que tinha pouco tempo de vida e, num

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curto período, desejava colocar tudo em ordem. Tudo também incluía a gráfica, que funcionava como um relógio, e convidou o genro para assumir sua administração. “Se eu não ficasse, ele a colocaria à venda. O Henrique ficou apavorado, porque já tinha planos maiores do que as coleções Trópico e O Saber [esta à dir., com 5 vols.], enciclopédias juvenis, que vendiam bem, e insistiu para eu ir. Bastaram 15 dias: vi que em dois meses quebraria a empresa, que mantinha a família, embora fosse um reloginho tão bom que, quando meu sogro a colocou à venda, imediatamente foi comprada e está aí até hoje, com o mesmo dono. Nesse ponto, o Henrique me convenceu a trabalharmos juntos na Maltese, e em pouco tempo surgiram as coleçõs Serelepe e Sapeca, foi aquele estouro, até que aconteceu aquela coisa bárbara com o Claudio" [Maltese, assassinado num assalto em 28/8/1994, aos 42 anos], e tudo o que a gente construiu começou a ruir. Nessa época a Maltese tinha 30 anos de história, era uma editora de porte médio, com 80 funcionários e 600 títulos lançados, entre literatura infantil, negócios e autoajuda.

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A opção, então, foi sair de lá: “Passei por poucas e boas, o reflexo acabou atingindo também a empresa que a gente montou, foram tempos pavorosos e juntou tudo: minha separação e, um pouco depois, a morte do Henrique [ex-vice-presidente da CBL]. Mas daquela época toda a equipe está sempre muito presente. Tanto que no dia 27/1/2015, quando a Fernanda da CBL me ligou e disse ‘São 18h01, não há outra chapa inscrita, você está eleito’, a primeira pessoa que me veio à mente foi o Henrique. Mas não gosto de falar disso, foi tudo muito difícil”.


Depois desse tempo, em que perdeu amigos e patrimônio, ele teve de se virar. “Fiz uma coleçãozinha, com o Luís Monteiro [ex-funcionário da Maltese], que deu muito certo, e com a Keiko, que tinha uma empresa pequena, mas em pouco tempo vi que poderia passar pelos mesmos apuros de antes. E não deu outra, logo ela quebrou.


Ao sair dessa parceria, Torelli fez umas pesquisas e descobriu um senhor que tinha uma série de filmes americanos traduzidos aqui (não como os da Disney com o qual trabalhara antes), que ensinavam as crianças a brincar com matemática, a fazer contas etc. O material não era dele, Flávio, mas de sua irmã, Célia Furtado, atualmente diretora da Agência Nacional dos Editores de Revistas (Aner), que publicou revistas com boa vendagem por um período, mas, com muitos problemas, teve de fechar. Depois de ver os filmes, ele foi para casa, fez uns estudos e percebeu uma possibilidade real de negócio, que havia mercado, embora não tivesse capital nem para fazer caixas, nem para viajar e oferecer o produto. Mas as planilhas que apresentou animaram o Flavio a investir. “Não me lembro mais quanto eu disse para ele que podia vender, mas, em valores de hoje, calculei uma venda de R$ 50 mil e voltei com R$ 180 mil, o que o entusiasmou”.


No entanto, para continuarem, havia necessidade de uma empresa (até mesmo para faturar o que ele tinha vendido) e nesse momento (2004) entra na história uma amiga do Flávio, a Lucia, dona da Trilha, uma empresa de brindes. “Com isso pude fazer as primeiras entregas, mandei rodar os filmes e nos tornamos sócios, os três. O projeto inicial rendeu outros filhotes, mas chegou o dia em que o Flávio não queria investir mais tempo, tinha perdido a esposa num caso grave de câncer, e saiu de vez, no exato momento em que os filmes já não eram o produto de maior vendagem. Feito um acordo, a parte dele foi paga em 10 meses e ficaram apenas a Lucia e eu. E eu procurando novos projetos.”


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Nessa ocasião, o IBGE havia feito uma pesquisa sobre gravidez na adolescência, uma situação de calamidade púbica em todo o país, em todas as classes, que se desdobra em evasão escolar, violência doméstica, consumo de drogas, entre outros graves problemas, e o "Jornal Nacional" fez uma matéria enorme. "Foi aí que pensei em fazer um produto nessa área". Mais uma vez pesquisando, “encontrei o meu parceiro, o Instituto Kaplan, na época, e hoje mais ainda, uma referência em programas de educação sexual para jovens adolescentes. Liguei para eles, me apresentei e, algum tempo depois, me chamaram para uma conversa com a diretora, que acabara de fechar com o Fundo de Solidariedade do Governo do Estado um projeto no Vale do Ribeira, mas precisava de quem editasse o material – até então um volume pequeno e recortado à mão pelas psicólogas do Instituto. Só que agora tudo era grandioso."

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Dessa conversa nasceu o Vale Sonhar: "Vale porque é o Vale do Ribeira e Sonhar porque é a tônica do projeto. E na época, 2004-2005, foi um espetáculo, porque o Vale do Ribeira registrava o maior índice do país em gravidez na adolescência e se obteve uma redução de 91,5% e, em algumas cidades da região, a ocorrência de gravidez na adolescência foi zerada.


Também conseguiu que a Pfizer doasse material para colocar nas caixas. O resultado foi uma matéria do "Gilberto Mendes na Folha de S. Paulo, sem ter entrevistado ninguém do Instituto, nem eu, mas que despertou o interesse da Globo, que nos procurou para conhecer o projeto e acabou fazendo uma reportagem no Vale do Ribeira, de 3,5 minutos, veiculada no 'Jornal Nacional', e a coisa pegou, com muitas outras Prefeituras interessadas. Depois desse, surgiram outros jogos e outros parcerias, com a Johnson & Johnson, o Bradesco, o Itaú Cultural, e eu praticamente vivi disso de 2006 para cá, muito focado nesses produtos, porque a demanda se tornou enorme e exige muito."

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Também lancei esses produtos no porta a porta, mas percebi que era o canal errado. Revi a estratégia, cheguei a colocar uma promotora nos grandes distribuidores, que explicava como trabalhar com o material num café da manhã. Mas essa não era a melhor estratégia e acabei tirando, porque também tinha de cuidar das licitações e não dava para trabalhar com os dois. Até o ano passado fiquei com isso. Depois, fizemos um projeto enorme com o FDE e conseguimos entrar na cadeira de biologia. Hoje todas as escolas têm esse projeto no currículo, e o Instituto Kaplan capacita os professores para aplicarem esse produto, com um sucesso comprovado".

Na segunda fase, que seria no ano passado, para capacitar os professores de educação física, para dar mais extensão ao programa, houve as eleições – com a candidatura do Alckmin não se podia assinar nenhum contrato – e a Johnson&Johnson, o grande patrocinador, decidiu patrocinar o Master da Copa. "Aí levei um susto. Porque, além de tudo, é necessário repor os kits anualmente; só no ano passado deveriam ter sido repostos 4.500 kits, e comecei a achar que o projeto ia fazer água. Nesse intervalo, a Lucia, minha sócia, por problemas de saúde na família, precisou se afastar e desfizemos a sociedade, e fiquei sozinho na Trilha."

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No fim de 2013, quando percebeu que as perspectivas para 2014 não eram das melhores, e com outros projetos já consolidados, como Jogo de Corpo, Aprendendo a Viver, Valores em Jogo e Minha Primeira Enciclopédia, decidiu entrar no mercado de saldos: "comprar livro das editoras e revender no mercado, o que está na moda e então o João Pedro [com quem trabalhamos na Maltese] veio para a editora me ajudar".


Outra iniciativa foi um projeto para concursos, com uns livros da Abril, que comprou a AlfaCon, um dos líderes nessa área, "e fiz uma coleção que está vingando até hoje. Foco em projetos, como o da sexualidade. Já o produto da maquiagem fiz com a Roseli, para a criança que se pinta, mas tivemos um azarzinho, porque colocamos uns brindes da Vult, a única com certificação do InMetro para esse tipo de produto infantil, mas só depois percebemos que o material estava com o prazo de validade prestes a vencer, por isso o preço foi tão especial, e hoje não é possível reeditar, porque não queremos nos arriscar".

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"Recentemente, fomos procurados por um professor da Bahia, que compilou algumas lendas, e já fizemos 3 edições do material, que também é vendido no porta a porta. São os Lendas para Encenar, que usa a linguagem teatral como ferramenta pedagógica. Além de instruir sobre nosso povo, origens e crenças, o material contribui no processo educativo, pois foi elaborado segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)." Para ele, 20144, "depois da esmorecida com as eleições e a Copa do Mundo, foi difícil, e não acho que 2015 será um grande ano".


Mesmo assim, está animado. À frente da única chapa inscrita para concorrer à eleição da Câmara Brasileiro do Livro, biênio 2015-2017, explica que o fez porque há muito percebeu "que nós, da indústria do livro, temos muitos problemas e não adiante nada só reclamar", o que o levou à diretoria, à vice-presidência e à presidência da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), ao Conselho Nacional de Políticas Culturais, do MINC, e a duas diretorias da CBL.

A experiência adquirida nessas entidades e no trato com as diversas instâncias relacionadas ao livro resultaram na plataforma "Mais livros em todos os sentidos", cujos aspectos essenciais ele aborda na próxima postagem (23/2/2015).



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