E depois de 20 anos/ Para o Brasil eu voltei!/ E continuei,/ Até mesmo o prêmio Jabuti eu ganhei!*
As portas do trabalho no Brasil foram sendo abertas por Suppa durante as férias, quando fazia contatos com agências de publicidade e depois “continuava fazendo coisas com eles da França, mandando o material via fax ou por Fedex". Da praia em que "descansava", perto da Riviera de São Loureço [litoral de São Paulo], desenhava e enviava as peças pelo correio. Na França o trabalho continuava, expondo também em coletivas, "Salon D'Autonne", no Grand Palais (1986) e "Mariage", na Galeria Du Bon Marché (1997), e em individuais, "Souvenirs, Souvenirs..." (1995), na Galerie Michel Lagarde, “De tout mon coeur”, na IQ Art Gallery (2008).
Quando começou a cogitar sua volta ao Brasil, ela conta que “perguntava para eles [na França] se iam me dar trabalho, porque lá eu trabalhava muito e tinha receio de não ter o que fazer aqui. Mas aqui todos se interessaram por mim, porque eu tinha uma experiência internacional. A WBrasil me chamou para fazer desenho animado, o primeiro foi 'Proibido para Adultos', depois foi a JWT, para quem também fiz 2 desenhos animados, e trabalhei para muitas agências", como DPZ, New Lara, Colluci, Up Grade, Ogilvy, Tugare, Grey do Brasil, TBWA, Brander-Tricard, Leo Burnnet-Rossi. Além disso, fez cenários para teatro, figurinos para A gata borralheira e Nunca ninguém disse eu te amo, painéis para o programa Metrópolis da TV Cultura, publicações institucionais, como Brasil criança [à esq.], para o Itamaraty, e Escrevendo o futuro, para o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
A volta não foi ideia sua, mas do ex-marido, um italiano com o qual se casou algum tempo depois de mudar para a França e “como todo estrangeiro que passa férias no Brasil, ele achava tudo lindo e morria de vontade de morar aqui”. Ela mesma não queria, tanto que, da primeira menção à ideia até a mudança, em 1997, foram cinco anos, quando seu filho Romain estava com 7 anos e a filha Charlotte, com 6 meses. E o acordo foi: “ele vinha com um emprego acertado, um bom salário, para que eu tivesse condições de procurar emprego sem me preocupar com as contas, que até então dividíamos”. Deu tudo certo, a não ser pelo fato de ele ter sido transferido para o Rio de Janeiro, para onde ela se recusava a ir, o que resultou em separação.
Além das agências, houve trabalhos para várias revistas, como Cláudia Bebê [à esq.], Crescer, Gol, e só mais tarde começou a fazer os livros, batendo na porta das editoras. “Todo ano eu fazia uma mala-direta para apresentar meu trabalho até que chegou uma hora em que não era mais necessário. Isso é legal, mas ir aos lugares é importante, porque se as pessoas gostam de você pessoalmente, se você tem bons contatos, é mais fácil. Além disso, sempre fui hiperpontual, porque ilustrador tem fama de não entregar no prazo. Quando digo uma data, é aquele dia. Não atraso, e isso conta muito."
Ao chegar, Suppa diz que encontrou os livros infantis na mesma situação de antes. “Vi a Companhia das Letrinhas, a única na época que fazia livros diferentes, porque os comprava no exterior. Aí pensei que, se tivesse de trabalhar com livro infantil, seria com eles”. E em 1999 ilustrou O clube dos contrários, de Silvia Zatz.
Mas sua atividade como ilustradora tomou fôlego mesmo com os trabalhos para a Ática e a Moderna. “Na Moderna, havia o Ricardo Postacchini [editor de arte], um cara meio revolucionário, responsável por coleções de autores famosos e chamou vários ilustradores, entre eles eu. Eles estavam tentando fazer algo parecido com o que a Companhia fazia e as coisas começaram a mudar e todo mundo entrou nessa. Até então os desenhos não eram para criança, mas hoje o que se faz aqui está muito diferente”.
Suppa se lembra também de que, nessa época, só gostava de uma ilustradora, a Maria Eugenia [à esq., foto: Ed. Peirópolis]. Ainda havia muita caricatura e “eu não gostava de ninguém. Hoje há uns 4 ou 5 de que gosto, mas dos demais continuo não gostando. Na França eles jamais trabalhariam, não seriam aceitos, porque fazem um desenho antiguado. Não sei como o Ziraldo ou o Maurício de Souza sobrevivem aqui. Estou falando de gente com mais idade, com um desenho obsoleto, cafona. Acho que há ilustradores bem legais. Hoje se vê o que os outros fazem, muitos começaram copiando e hoje já encontraram seu estilo, do qual não se pode abrir mão, precisamos ser fiéis a nosso estilo.”
Sobre seu estilo, Suppa é categórica: tem forte influência de Amedeo Modigliani (1884-1920), resultado da primeira exposição que viu em Paris. “Fiquei encantada. Se prestar atenção nesses pescoços grandes que faço, dá para ver que fiquei apaixonada. E ele só desenha pessoas, retratos. Aquilo foi determinante para mim.”
Ilustração para ela significa "acrescentar detalhes ao texto, continuando-o, dando outro ângulo à cena que foi descrita e, até mesmo, mostrando aspectos importantes que o texto não mostra, mas não pode ser o óbvio". Em sua opinião, "a arte visual mexe com os sentidos e com os sentimentos. Para as crianças, imaginar como aquilo surgiu é mágico, além de aguçar a imaginação, pois é como se decifrassem um texto subjetivo. E também as motiva a desenhar”. Quando conversa com elas, seu entusiasmo a contagia. “Elas comentam que sou criadora das imagens e às vezes há alguma que questiona se existo mesmo. Essa sensação é muito gratificante.”
Já em termos de remuneração ela acha que a situação não mudou muito, paga-se mal como no passado. E cita um problema recorrente: os direitos autorais. "Porque o grande interesse da maioria das editoras é vender para o governo. Quando vendem, mesmo a preço baixo, as tiragens são enormes, então recebem uma boa grana, da qual 10% vão para o escritor na forma de direitos, tanto que muitos vivem só disso. Mas um livro, sobretudo infantil, não é só escrita, é feito também de ilustrações. No começo eu não recebia nada de direitos, mas hoje não trabalho mais assim. Se é livro para venda governamental, não faço sem receber direitos, até porque a venda avulsa, em escola, não rende muita coisa. Quando se trata de Ana Maria Machado, Ruth Rocha, que não cedem os direitos, peço um fixo, caso os livros ganhem os editais, o que já está estipulado no contrato. Nesse caso é a editora que vai me pagar. Acabei de assinar um contrato nesses termos, um livro que inclusive ganhou um edital.”
Entre os muitos livros que ilustrou estão Andira (Raquel de Queirós); As frangas (Caio Fernando Abreu); A menina que aprendeu a voar (Ruth Rocha); Cacarecos (Mirna Pinsky); Contos de Grimm, Branca de Neve e Rosa Vermelha e outras histórias, que lhe deu o Prêmio Jabuti, 2007, de ilustração de Livro Infantil ou Juvenil (adaptação de Walcyr Carrasco); O pó do crescimento (Ilan Brenman); O veado e a onça (Ana Maria Machado); Pirraça que passa, passa… (Sylvia Orthof); Por trás das portas (Fanny Abramovich); Quando meu irmãozinho nasceu (Walcyr Carrasco); Sapo de estimação (Marcia Kupstas); Sei por ouvir dizer (Bartolomeu Campos de Queirós); Tembeliques (Tatiana Belinky); Valentina (Márcio Vassalo); além da capa de Um pinguim tupiniquim (Índigo.)
Ao ilustrar A beleza dos signos, em 2000, que os abordava do ponto de vista feminino e dava dicas de como usar o cabelo, se maquiar, se vestir, pensou em fazer uma boneca e lançou as Suppetes. “No lançamento havia uma boneca de cada signo num saquinho que podia ser comprada com o livro”. Ela fez mil bonecas, para venda na Livraria Cultura e não sobraram nem 12.
A confecção ficou a cargo da Casa de Brinquedos, mas foi ela que passou dias comprando os tecidos, na rua 25 de Março, na rua da Graça, ou no Brás, procurando material e fazendo as combinações. Com essa experiência “comecei a pensar que podia fazer alguma coisa cada vez que lançasse um livro. O problema é que não posso fazer com o livro de outra pessoa, mas desenvolvi camisetas, canequinhas etc.” e outras bonecas, com vestidos e cabelos diferentes. Atualmente ela produz 100 por ano, e diz que “gostaria que uma marca se interessasse por esses produtos".
“Faço parte da Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco) e vendo pela internet, mas até o ano passado cada venda significava uma ida até lá para emitir a nota, o que tomava um tempão. Durante anos participei da feira 'De zero a doze', que durava uns 4-5dias, em sistema de permuta: eu fazia toda a comunicação visual e eles me cediam o estande, onde vendia muita coisa, para as lojas, na hora. Era um trampo, porque tinha o transporte, a montagem do estande, mas funcionava bem porque também recebia encomendas que eram vendas certas.” Ali conheceu muita gente e surgiram outros trabalhos. Mas “gostaria que alguém tomasse conta disso”. Sua loja virtual é mantida com a ajuda de sua sobrinha.
Uma inquietação permanente
Essa vontade de criar outras coisas não é nova, surgiu ainda na França quando fez uma ilustração para um jarro e criou outros produtos. Aqui, quando ilustrou Dona cegonha mora do lado, de Flávia Côrtez, para a Editora Cortez, fez almofadas que foram presenteadas no fim do ano; depois vieram os quadros, as camisetas e um projeto de roupa de criança. "A marca Para Miúdos entrou em contato comigo, acertamos os royalties e eles bordaram desenhos meus em várias peças”. Depois foi a vez dos livros da Larousse, para os quais fez bonequinhos que já estão na terceira edição. Agendas fez apenas uma vez, mas prometeu a si mesma que fará novamente este ano [2015].
Nesse caminho, também estampou tecidos e, quando fez o Kama-Sutra no olhar de Suppa houve uma exposição em Portugal [à dir.], que deu origem a “Ma Boîte à Secrets”, uma caixa de metal, adesivada com posições do Kama-Sutra, com lingerie, brinquedinhos sexuais, fotografias.
E foi diversificando cada vez mais: bolsas, móveis, tecigravuras e logomarcas, como a da Casa de Livros, livraria especializada em literatura infantojuvenil, na Chácara Santo Antonio (Zona Sul de São Paulo), criada em 1986 por Angela Aranha.
Também fez cartaz para a Francal, a Coleção “Coração de mãe” Tiffany, com 10 quadros e ilustrações de um Moleskine como brinde. A mais nova invenção é o Lobo, cujo livro que lhe deu origem, …E o lobo mau se deu bem, da Giramundo foi premiado. “Não fico rica, nem ganho muito dinheiro, mas tenho um enorme prazer em fazer, fico muito feliz. Quando viajo compro livros e bonecos, é no que eu mais gasto”.
O distanciamento da publicidade
De uns tempos para cá Suppa tem feito pouca publicidade. Há dois anos, uma campanha para a Rossi Empreendimentos. Para a Tricard [à dir.]. umas duas vezes por ano, faz uma campanha.
Ela acha que hoje seria necessário entrar em contato com as agências. "Eu teria ir lá, me reapresentar, porque estou meio distante, hoje conheço pouca gente nessa área, há muita moçada nova que não sei se me conhece. Eles conhecem os ilustradores característicos da publicidade, não o pessoal que trabalha na área do livro. Eu precisaria de um agente, mas isso não tem. Mas tem de ser alguém que decida fazer isso, para mim e para outros ilustradores. Para fotógrafos sei que há agentes. Durante um tempo tive uma agente que era de fotógrafos, que é francesa e mora aqui, Sophie Lanes, da qual me falaram quando fui a uma agência logo que voltei; falei com ela e fui posta entre seus representados. foi ótimo, depois ela foi trabalhar na DPZ". Hoje sua agente é Fabienne Zimmermann.
Inconformada, continuei.../ O que mais eu queria fazer?/ Pensei, pensei... /por que não escrever?*
“Primeiro, porque recebia muito texto ruim e pensava ‘Gente, não é possível. Se os escritores escrevem isso, então também posso escrever’. Segundo, porque como escritor você recebe os 10% [do preço de capa]. Então ganho como autora e como ilustradora. Caso haja venda em escola, vou à escola. Acho bom o ilustrador escrever, ou fazer livros só de imagens, para aumentar seu orçamento. Porque você ganha digamos, R$ 8 mil por livro, mas não faz um livro todo mês. Se tiver um livro a cada dois meses sua renda mensal já caiu para R$ 4 mil. É muito trabalho para receber só isso. Então decidi escrever. Nisso a Eva Furnari foi uma pioneira, hoje para ela está ótimo, é autora exclusiva da Moderna, recebe direitos autorais, faz, acho, 1 ou 2 livros por ano, e isso é o máximo. Ainda bem que deu certo, porque eu poderia não conseguir escrever. Mas deu e já estou no 15º livro", sendo o primeiro O nariz de Anaíz, em 2011, que deu origem à "Turma do Nariz" [abaixo]
"Trabalho com encomenda, também. Gostaria de escolher o texto de alguém e ilustrar, como um amigo meu, o dramaturgo Newton Moreno, um cara fantástico, que resolveu escrever uma história infantil, me mandou e adorei. Posso ilustrar o texto dele e apresentar para uma editora. Já recebi textos de que não gostei, mas aí acho bom para mim porque meus desenhos ficam em evidência. Não posso ficar fazendo só meus livros. Gostaria de ter todo o tempo do mundo, fazer com calma e cuidar só dos meus livros".
“Quando escrevo o livro já penso na ilustração e, assim, economizo o texto que pode ser contado na ilustração. Para a editora é uma boa, porque você chega com o texto, as ilustrações e o projeto gráfico. Entrego o livro pronto. Qual editora não quer isso? A gente marca a reunião, apresenta o projeto e na hora já dizem sim ou não. Não tem essa história do escritor que manda o texto, espera uma resposta por um tempão, porque as editoras não têm tempo de ler. Assim, se fura a fila, porque o trabalho está completo. As editoras se interessam."
Assim estou cada vez mais feliz!*
Resultado de tanto trabalho, Suppa foi finalista do Prêmio Jabuti (2004); recebeu o Prix Maison des Artistes, ilustração, foi finalista do Prêmio Coca-Cola e recebeu o 200 Best Illustrators Worldwide, Áustria (2005); o Prêmio FNLIJ (2007); o FNLIJ infantil e juvenil (2011); e participou da Bienal de Ilustrações de Bratislava, Eslováquia, do Ilustra Brasil e Ilustrando em Revista, da Abril (2005).
Seus vínculos com o país do voalá, cheio de blá-blá-blá e de lenga-lenga, onde o rei Ruá ficou muito irritado com os boatos e falatórios que se espalharam por seu reino, se mantêm fortes até hoje: seus filhos estão morando em Paris, Romain há quatro anos e Charlotte desde setembro de 2014, e suas ilustrações estão em vários livros, como Le gateau au chocolat, Editora Hachette (2005); Guide 6 ans, Pocket Jeunesse (2009) e Le bateau livre, Éditions MDI (2013) [à esq.]
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Entre mais de 120 livros publicados, 90% deles para o púbico infantil, os de sua autoria, até agora, são: O nariz de Anaíz e Elvira uma vampira? (Larousse); Mesmo assim Martin! (Global); Até que enfim, Serafim!, Alfredo não tem medo! e Certo ou errado, Dr. Eduardo? (Lafonte); O fio (Escala/TUCCA, Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer); No país do Voalá (Ed. do Brasil); …E o lobo mau se deu bem (Giramundo), …E o príncipe foi pro brejo (Folias de Ler); Se eu não fosse, eu seria…, Aquele beijo que eu te dei e Só não vê quem não quer (Callis) e Um mosquito esquisito (revista Toca).
* Textos de Suppa.