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DRA. MARIA LUIZA EGEA: O INTERESSE CRESCENTE PELO DIREITO AUTORAL


Entre os muitos profissionais que contribuem com o livro há mais de duas décadas está Maria Luiza de Freita

s Valle Egea que diz ter começado no Direito um pouco por vocação e um pouco pela história de família, composta por vários advogados. O que ela diz que não sabia era que trabalharia com o direito autoral, porque, a rigor, “quando me formei, em 1973, o direito autoral era, no direito civil, uma página do livro de Washington de Barros Monteiro (1910-199): Das obras literárias, artísticas e científicas, mem me lembro de ter aprendido isso na faculdade”. Dadas as características de sua atividade, nossa conversa com ela tratou de temas importantes para a área.


Ao iniciar sua carreira, conta que começou pela “clínica geral” e nessa época foi procurada por um compositor, para defender o filho dele que tinha batido o carro e estava com um processo crime. “Como tive uma boa experiência, o defendi e fui muito bem. O rapaz foi absolvido da acusação de lesões corporais culposas. O pai, que ficou muito feliz”, naquele momento, tinha recebido um convite para assumir a diretoria da sucursal do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD em São Paulo, entidade ainda em seus primórdios, que funcionava há apenas um ano, e precisava de um advogado de confiança e me convidou”. Sem muito conhecimento sobre o assunto Mara Luiza diz ter sido convencida e foi trabalhar com ele. De 1982 para cá ela se dedica ao direito autoral, tendo acompanhado toda a legislação, tudo que aconteceu até hoje.

O aprimoramento no exterior e na prática

A atuação no Ecad lhe permitiu ganhar várias ações e formar uma jurisprudência na área para a entidade. Nesse mesmo período, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) promovia muitos cursos de formação para profissionais estrangeiros em associação com a SGAE, a Sociedad General de Autores y Editores, espanhola, entidade de gestão coletiva muito importante na área. Por indicação de amigos com os quais atua e convive até hoje, como a dra. Vanisa Santiago, ela foi indicada e fez quatro cursos de especialização em direito autoral que lhe deram toda a base para seu trabalho posterior, que foi aos poucos se expandindo, abrangendo também o pessoal de teatro, cinema e algumas editoras pequenas, todos interessados em saber quais as implicações da alteração da Lei de 1973, ocorrida no ano de 1998. Nesse momento ela foi convidada pelo dr. Plínio Cabral [à dir.] para aquela que seria a primeira de suas tantas palestras sobre direito autoral. No Auditório da Editora Melhoramentos teve contato com muitos editores e também com a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), na época sob direção do prof. Wander Soares [à esq., abaixo]. Ela se recorda de que na ocasião “estavam todos muito atônitos, principalmente sobre o que dizia respeito ao livro didático, em que não se podia mais usar trechos de obras de terceiros sem licença”. A lei provocou uma mudança de atitude em relação à obra por encomenda e à obra do empregado, com grande impacto no meio editorial. Daí em diante, os convites foram se sucedendo e hoje trabalha com as grandes editoras ou, presta serviços, porque algumas têm seu próprio departamento jurídico e, na medida de necessidade, a consultam.

“Meu escritório hoje é uma butique de direito autoral; tenho colegas que trabalham comigo e nossa atuação é majoritariamente nessa área, atendendo outras, como o direito civil, só em casos de clientes 'derivados' do direito autoral, aos quais uma colega do escritório se dedica. Estou com os editores há muitos anos, acompanhando toda a mudança de legislação e sendo bem recebida no Ministério da Cultura (Minc)."

As alterações da 9.610
De 1982 para cá houve uma mudança brutal na área, porque, em sua percepção, Maria Luiza acredita que as editoras se profissionalizaram muito. “Quando tínhamos a lei de 1973 não havia consciência plena de autores e editores a respeito dos direitos, mas com a aprovação da Lei 9.610, de 19/2/1998, além da profissionalização, os autores se conscientizaram de seus direitos, porque no direito autoral as pessoas precisam se considerar parceiras; o trabalho do editor está intimamente ligado à criação do autor. Essa conscientização foi e é muito boa".

As questões atuais
Para a dra. Maria Luiza, os pontos importantes hoje se referem às questões cujos critérios de avaliação são subjetivos, cabendo ao tribunal decidir. Com todo esse tempo de vigência da 9.610, “diria que as questões estão sendo resolvidas agora pelo Superior Tribunal de Justiça (STF), a jurisprudência vem sendo criada, dando mais clareza para o nosso trabalho. No entanto, a lei vai mudar de novo, pois há o projeto de alteração no MinC que, segundo dizem, este ano (2015) sai da gaveta. Ou seja, logo teremos outra alteração”.

Dos temas mais debatidos recentemente, ela destaca o direito autoral do funcionário da empresa, porque a lei de 1998 suprimiu essa regulamentação, deixando para os tribunais sua resolução. “Só há dois anos o STF deu uma orientação, porque, uma vez que o funcionário está na casa editorial com a função de criar, e recebe por essa atividade, não seria justo que o trabalho daquela criação não tivesse seus direitos patrimoniais protegidos e não pudessem ser da empresa que o contratou. Se não fosse assim, teríamos um caso de enriquecimento sem causa.” Segundo ela, o direito sobre essa criação só se configura como um direito do empregado quando essa criação é usada de outro modo que não a da finalidade da editora. Esse tema teve grande repercussão no Judiciário e o obrigou a preencher a lacuna deixada pela lei. "Por isso muitas editoras, no ato de contratação de seus funcionários, já lhes pediam que assinassem uma cessão de direitos, porque não havia a regulamentação clara e o risco que elas corriam era muito grande."

O mundo digital
Outro tema é o que se refere às limitações do direito autoral, ou seja, quais usos podem ser feitos de uma obra, especialmente nos meios digitais. “Porque todos os editores hoje, se não estão fazendo e-books, estão fazendo objetos digitais, têm plataformas digitais para escolas, estão no meio digital, e isso não tem volta. A questão é saber como aplicar a legislação vigente aos meios digitais, porque, embora a 9.610 tenha alguns textos específicos que poderiam permitir que entendêssemos que já estávamos, na época de sua elaboração, tratando de meios digitais, isso agora está sendo revisado pelo MinC para estabelecer algumas limitações próprias que sirvam a esse meio.

“E quais são essas limitações? Alguns usos que se pode pode fazer independentemente de autorização prévia e expressa do autor. Tais limitações existem no mundo todo, quer nos Estados Unidos, com o fair use (uso razoável ou aceitável), quer nos outros países do direito continental. E por que devem existir? Porque o direito é exclusivo do autor que precisa ter seus direitos para se sentir protegido ao desenvolver seu trabalho de criação, para ter retorno de seu trabalho." No entanto, ela destaca, deve haver equilíbrio, porque certos direitos têm de ser independentes do direito exclusivo, para que não se fique à mercê dos caprichos do autor. Esse é o ponto atual de certa discordância até no projeto do MinC, pois há alguns textos em que a limitação está um pouco ampliada. "Hoje só se pode usar pequenos trechos de outras obras. Para o editor que faz um investimento, essa é uma preocupação. Será permitido que um terceiro a reproduza integralmente? Até onde isso vai implicar em relação aos investimentos da editora? Isso está no projeto, foi amplamente discutido, tanto pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) quanto pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), e participei desses debates das entidades com o governo, o Ministério está ouvindo todo mundo e agora esperamos para ver qual será o texto final, como será harmonizada uma situação como essa”.

Grande parte da preocupação, afirma ela, tem origem no fato de as mídias digitais permitirem tudo. “Precisamos de um direito que proteja as produções, proteja os autores, precisamos encontrar um ponto de equilíbrio para permitir o uso das obras pela sociedade."
A ascensão e o glamour do direito autoral
Hoje há um interesse crescente pelos direitos autorais. "Vejo isso como professora do curso de pós-graduação da Escola Superior de Advocacia (ESA), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), muito procurado por advogados de todas as idades, a maioria com atuação na propriedade industrial, que se divide em dois ramos: o direito industrial e o direito autoral. Costumo dizer que somos o primo pobre da propriedade industrial, que trabalha com a proteção de marcas, patentes, lida com grandes empresas, ao passo que nós lidamos com o direito imaterial do autor etc. No entanto, o primo pobre despertou muito interesse no rico. Na mais recente sala da ESA eu diria que 80% dos alunos eram da propriedade industrial, desejosos de conhecer o direito autoral e de ampliar sua atuação, o que é justificável porque as novas mídias e tecnologias puseram o direito autoral 'lá em cima'. Todo mundo quer saber: 'Posso copiar aquela música? Posso baixar isso? Não, não pode, está infringindo o direito autoral'. 'Posso pôr um vídeo no YouTube?' Não raro procurarmos um vídeo de um artista no YouTube e encontramos: 'Este vídeo foi retirado por infração ao direito autoral'. Portanto, hoje, temos tanto o nativo digital quanto as pessoas mais idosas envolvidos com as novas mídias tecnológicas. Hoje o jovem diz: 'Mas por que tenho de pagar, por que tenho de comprar uma música pelo iTunes? Por que tenho de pagar uma assinatura de Spotyfire, de streaming de música e de audiovisual se posso baixar da internet?'. Ao mesmo tempo se lê no jornal: 'Spotyfire fez acordo com as gravadoras para vender assinatura', ou 'Google entrou com ação contra editores de música para ver se o direito é esse ou aquele'. Esse é um assunto crescente que envolve o interesse de quem? Do jovem, desde aquele pequenininho que diz para o pai: 'Quero ouvir tal música' e o pai diz: 'Ah, essa aqui não dá, então vamos fazer uma assinatura'. Por isso a área está chamando tanta atenção. Sem dúvida é muito atrativa, melhor do que falar de direito de família, briga de marido e mulher, pensão... Há lugar para todos, mas é preciso entender que é uma área em que os ganhos não são iguais aos de outras no Direito."

"Recentemente fui ao Rio de Janeiro atender um compositor muito importante, um dos grandes da MPB, com problema com sua editora de música, que me disse: ‘Não tenho mais retorno dos meus discos, porque hoje ninguém mais põe disco no mercado; as pessoas vão à internet, digitam meu nome e baixam e escutam todas as minhas músicas, ou seja, meu retorno financeiro está muito pequeno. Posso pagar você aos poucos?’. Ele me mostrou que não recebe dinheiro de lugar nenhum, porque o desrespeito ao direito autoral o deixou numa situação financeira difícil. Posso atendê-lo nessas condições, mas o profissional que entra na área precisa sabe que vai enfrentar uma realidade parecida."
O glamour da área “engana”. “O Google tem advogados, mas quantos? Uns poucos e acabou. E muitos gostariam de trabalhar nessa empresa. A área não é tão grande assim, mesmo em produtoras de livros, de filmes, ninguém tem uma porção de advogados. Acho que essa área vai crescer bastante, muitos estão se formando, se especializando, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) também tem um curso parecido com o da ESA, de especialização em direito autoral, com muita procura. Já dos debates na OAB participam só advogados.
A mudança de concepção do consumidor
"Acho que a mentalidade do consumidor já mudou. Converso muito com as associações de produtores de filme, de música, e a pirataria, embora sempre vá existir, já diminuiu, porque é muito mais fácil pagar o Netflix e escolher o filme que se quer, na hora que bem entender, sem piratear. Pode-se dizer que ali não se encontram os lançamentos, mas até isso os grandes produtores estão procurando resolver. O Netflix é um streaming, acessível a qualquer hora, sem necessidade de armazenamento; pode-se assistir no IPAD,na tevê, tem muitas vantagens, e não se está violando o direito de ninguém. No iTunes, se escolhe uma faixa, paga-se US$ 0.99 e se armazena onde quiser, ouve-se quando quiser, o que deu legalidade ao setor. Assim a sociedade começa a ter consciência e a usar todo o material que está nos meios digitais de forma legalizada. O problema está no pagamento aos autores dos direitos recebidos por essas empresas, porque o autor ainda não vê o resultado econômico desses downloads. No caso dos músicos, os valores recebidos do ECAD ainda são muito baixos, o que foi uma decepção, porque precisa ter não sei quantos mil views para receber R$ 5,00. Da parte da sociedade achamos que ela está entrando num perfil de mais legalização; o que precisamos acertar agora é a remuneração dos criadores."
O interesse dos profissionais das editoras
"Dou aulas em vários cursos e os alunos são, em geral, autores, ilustradores e produtores culturais. O interesse é sempre grande. Por exemplo, um curso sobre contratos na Universidade do Livro (Unil) lotou, porque há muitas circunstâncias novas que aparecem no dia a dia. Por exemplo, onde se enquadram nesses contratos os novos modelos de negócio digitais? Como tratar dos preços neles?"

Para aprofundar mais os temas, Maria Luia conta que a Unil, em parceria com o Núcleo de Educação a Distância da Unesp (NeaD) organizou um curso on-line cuja primeira parte, "Introdução ao Direito Autoral", teve quatro aulas, com exercícios e textos para consulta, em que fiz um “passeio” por toda a lei. Em seguida, haverá módulos, abordando os aspectos específicos da obra cinematográfica, da área teatral, musical etc.

Para Maria Luiza, essa proposta é muito boa porque permitiu convidar profissionais de cada segmento. Na primeira aula Pedro Bandeira [à esq. acima] falou sobre literatura, contratos, intercâmbio com as editoras, relacionamento etc. Na segunda, Marília de Andrade [à esq., abaixo], bailarina, coreógrafa, produtora de espetáculos e filha de Oswald de Andrade, reune numa pessoa o balé, que é arte, a coreografia, que é autoria, mais os problemas da produção do espetáculo teatral, além das questões relativas ao licenciamento das obras do pai. Outro convidado foi um artista plástico que abordou o plágio, falou das obras em gestão coletiva. Em seu depoimento ele disse: "Quando crio, coloco no meu trabalho minha vivência, minha alma, então como fico quando alguém copia minha obra?". Na última aula, sobre música, ela chamou Juca Novaes [à dir.] que, além de colega, é compositor e intérprete no grupo Trovadores Urbanos. Sua atuação o tornou representante de uma associação de gestão coletiva e ele está sempre no exterior ouvindo como estão sendo tratadas as questões das novas mídias na música.


Depois virão os módulos especificos. "Para abordar a produção de obras teatrais, já convidei autores de obras teatrais, atores e produtores, para que se tenha a visão do dramaturgo, do tradutor, quando se trata de obra estrangeira, do produtor e do ator, para que a experiência deles mostre como é a área. Para que se possa ver os dois lados da lei, sem que um fique brigando com o outro, para que haja parceria entre todos. E isso será feito também para a música, as artes, a fotografia, em todas as áreas."


Os direitos dos ilustradores

Um dos aspectos abordados por Pedro Bandeira, conta ela, foi o da importância dos ilustradores. "Hoje o ilustrador assina um contrato de cessão de direitos parcial, válido apenas para aquele livro específico, o que foi uma vitória, porque antigamente era uma cessão total e irrestrita. Com a associação que criaram, a Sociedade dos Ilustradores do Brasil (SIB), conseguiram resguardar seus direitos, assinando uma cessão de uso só para aquele livro."

"No entanto, se é um livro com baixa vendagem, (e os editores sabem que há muitas obras em catálogo cujas vendas não são expressivas) o que se vê é: feitas as contas, se ele tivesse de receber um percentual sobre os direitos de exploração (e deve-se levar em conta que ao receber um fixo o ilustrador não entrou no risco do sucesso), esse valor poderia ser equivalente ao fixo ou até menos."


O problema está nas obras com vendas excelentes, "caso em que os ilustradores têm razão de ficar chateados, porque não ganham pela exploração econômica. Acho compreensível a situação deles, e espero que seu movimento obtenha um bom resultado."


Por outro lado, mesmo nas vendas governamentais, quando acham que receberam pouco, o que precisamos analisar é a inportância da ilustração para o livro. "Tenho casos aqui de ilustradores brigando com a editora por uma ilustração de miolo e muito pequena em relação à obra. Não podemos nos esquecer da medida da relevância. A ilustração é muito importante para o livro? Há livros em que, se tirarmos a ilustração, não sobra nada, portanto aí temos uma situação diferente. Valorizo muito a ilustração, mas tudo é uma questão de bom senso.

No caso dos tradutores acontece a mesma coisa, eles ganham por lauda. "Soube, por exemplo, que no caso de Boris Schnaidermann [à dir, em visita à Cosac Naify], um tradutor do russo superfamoso, oeditor só contratava mediante pagamento da exploração econômica, oferecendo um percentual da venda. Mas não é assim com todos. Se formos ver a história do direito autoral, se não houvesse os movimentos talvez hoje não tivéssemos uma legislação protetora. Então imagino que isso também seja uma medida para acertar a remuneração, porque hoje o editor paga ao tradutor o que o mercado estabelece."

O critério da proporcionalidade e da relevância
"Na questão da reprodução não se deve definir pelo tamanho. Ao longo dos anos tivemos muitas decisões jurisprudenciais que nos deram uma visão de como trabalhar. Há pouco dei um curso para quase 90 pessoas de uma editora só sobre limitações, e procurei mostrar-lhes como o Judiciário entende essa questão. Quais as decisões existentes, por exemplo, sobre reprodução de pequeno trecho de escrito. Como foi analisado pelo tribunal? No fim, a conclusão a que chegamos é que essa análise se baseia primeiro na necessidade de a obra usar aquele texto. No momento em que você o usa, não retira do texto utilizado seu proveito econômico apropriado. Quanto ao tamanho, o tribunal afirmou: numa obra audiovisual de 9 minutos reproduzir 90 segundos de uma peça de 3 minutos não é possível. O que se está levando em consideração aqui é a proporcionalidade. Além da contextualização que não pde ser esquecida."

"Temos clientes, sistemas de ensino, cujo material olhamos antes de serem publicados. Recebemos as pastas e fazemos uma análise de risco, porque não se pode nunca garantir que nada vai acontecer, uma vez que todos têm o direito de ir ao Judiciário. Nessa análise, apontamos riscos possíveis, como reprodução de texto integral, ou sem contextualização, ou como acréscimo para o enriquecimento da obra, em que se deve pagar licença. Ou mesmo um risco provável, porque, embora se possa entender que está de acordo com a limitação, sabemos que herdeiros brigam, daí aconselharmos muitas vezes que se pense no custo-benefício. O que vale mais: pedir autorização e pagar, ou deixar para uma ação judicial? Acho que a orientação para a reprodução hoje é como será analisada, porque quem vai decidir será um perito judicial, que orienta o juiz, e esse perito sempre se baseia nas decisões anteriores. E o que tivemos de melhor até hoje foi: ‘observe o tamanho do uso’. Vai usar 3 linhas de uma poesia curtinha? Veja quantas linhas ela tem ao todo. Quando a editora diz que não pode colocar apenas um trecho porque precisa reproduzi-la integralmente, caso contrário perde-se seu valor, então precisa-se pedir autorização. Porque a lei é clara. Citação é de “passagens de outras obras”, e a reprodução é de pequenos trechos de outras obras."

O novo projeto
"Agora precisamos esperar sair o novo projeto, que é mais flexível e vem com muitas questões novas e na linguagem do meio digital, o que vai gerar muito trabalho e muitas discussões."

"O mundo digital não alterou as leis, por mais que algumas pessoas achem que somos jurássicos. A verdade é que para 'tudo que não pode' há uma razão. É muito simples dizer 'Isso não pode'. O essencial é conhecer o fundamento. Lembremos que a Convenção de Berna é de 1876 [abaixo países signatários, imagem Avctoris] e sobre ela estão apoiadas todas as leis que temos, pois ainda é atual. Muitas pessoas não a conhecem. Acham que, por terem nascido digitais, tudo está disponível. Não é assim. Se com regras a sociedade está como está, imagine sem elas."

"A regra básica, sobretudo para quem entra nas editoras, é: não descuidem do direito autoral porque a fonte do material hoje é digital. A preocupação é a mesma de antes. As regras do mundo físico atualmente se aplicam igualmente ao digital. Quando mudar, veremos como vai ser, mas ainda não mudou. Outra situação: contratos. O contrato é o coração da editora. Que cuidados devem ser tomados com? Precisamos examinar: a) Que tipo de obra está sendo contratada; b) Que tipo de contratação está sendo feita com o autor? c) Que tipo de autor ele é; d) Qual é o modelo de negócio daquela editora. Porque algumas só fazem obras de autoria, outras só de autoria coletiva, ou ambas. Muitas vezes um editor tem um contrato base e o aplica a todo tipo de situação, gerando um problema futuro. Para o Judiciário o que vale é o que está escrito no contrato."


As grandes plataformas
"Hoje o Google entrou com uma ação contra as editoras de música e o ECAD está discutindo, porque todo mundo quer cobrar do Google, e isso está certo. A música tem o compositor e o intérprete e cada um tem seus núcleos associativos. Mas quando o Google paga ao ECAD, está pagando a quem? Ele quer saber, porque de repente vem o editor musical que representa os autores e cobra de novo.

Por outro lado, o artigo 'Fazendo pouco das normas', publicado em 3/5/2015 n’O Estado de S. Paulo, reproduzido da revista The Economist, mostrou como os gigantes digitais entram no negócio e incentivam a colocação de conteúdo nas plataformas. Eles mesmos não colocam nada, quem o faz é o internauta. De certa forma eles conseguem ter um negócio tão rico que, depois, são os detentores dos direitos que precisam correr atrás, mas aí o problema já está posto. Até uma decisão judicial sair e as plataformas se adpatarem às leis daquele país, milhões em publicidade já foram vendidos."

"Recentemente, houve um debate na Livraria Cultura (SP) cujo tema foi 'Responsabilidade Civil dos Provedores no Direito Autoral', uma questão bastante técnica. Afinal, a responsabilidade é objetiva ou subjetiva? Se for objetiva, é mais fácil se exigir uma paralisação, uma indenização; se for subjetiva, torna-se mais difícil para quem está sendo ofendido. Uma professora catedrática da USP, a primeira a falar, defendeu que a responsabilidade é subjetiva, dando razão para quem dispõe da tecnologia e incentiva a colocação de conteúdo. Nessa situação, resta aos reclamantes formar a prova. Se for assim, o Google faz o que quiser e nós arcamos com o prejuízo. Porque até provar que ele está com culpa, e ele vai argumentar que não foi ele que disponibilizou aquele conteúdo, e sim o internauta, nós cobramos de quem? Quem é esse outro que pôs aquele conteúdo ali? Onde vamos encontrar esse outro?"

"Já eu e o colega que falou depois de mim, defendemos que a responsabilidade é objetiva. No meio do debate uma senhora pediu a palavra e disse: 'Meu nome é Vania Abreu [à dir.], sou intérprete, e estou aqui ouvindo esse debate e não entendi nada, porque não sou advogada, mas quero dizer que não vendo mais disco, minhas interpretações estão todas na internet. Se eu não fizer show não ganho nada, não tenho mais carreira. Então, gostaria de fazer um apelo a vocês, advogados, que estão aqui tentando defender os nossos direitos: não sei explicar o que vocês têm de fazer, mas, por favor, não se esqueçam da gente.' E ela tem toda razão. Se a lei diz que é de uma determinada maneira, mas não é satisfatória, ela precisa evoluir."

"Por exemplo, nos termos de uso do Twitter afirma-se que se trata de cessão de direitos: tudo que for tuitado pertence a eles. Mas como um contrato que você é obrigado a assinar pode ser válido? Ali você não tem alternativa, ou aceita os termos de adesão ou está fora da plataforma. Trata-se de uma grande armadilha: eles chegam, implantam uma coisa, incentivam todo mundo a colocar conteúdo, sem se importarem se há ou não direitos. Na verdade, o que fazem é deixar que a pessoa que colocou o conteúdo ali enfrente as consequências, porque dizem que não têm responsabilidade, que apenas hospedam o conteúdo. Essa foi a nossa discussão sobre a responsabilidade civil dos provedores. E os advogados de todas as plataformas estavam lá, sentados na primeira fila, apoiando a professora e reiterando que a responsabilidade é subjetiva, ao passo que toda a plateia apoiou a mim e ao colega. Ou seja, nossos problemas são grandes e temos de debatê-los continuamente."

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Maria Luiza de Freitas Valle Egea é advogada especializada em Direito Autoral, formada pela Pontifícia Universidade CatóliCa de São Paulo. É diretora da Associação Brasileira de Direito Autoral (ABDA), membro da Comissão Especial de Propriedade Imaterial da Ordem dos Advogados de São Paulo, professora da Escola Superior de Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de São Paulo nos Cursos de Direito Autoral e de Entretenimento, e professora na Pós-Graduação do curso de Design na Faculdade Rio Branco na disciplina Direito Autoral. É coautora de Direito civil - Obrigações (Harbra, 2004), uma das coordenadores nacionais de Direito autoral atual (Elsevier, 2014) e tem vários artigo publicados em outras publicações.
Contato: marialuiza@fvegea.adv.br





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